Fernandes, M. B. C.; Santos, H. A. X.; Blanchart, T. V.;
Silva, P. C.; Moraes, I. A.
2020.
O equilíbrio iônico corresponde à diferença de potencial elétrico que contrabalança um gradiente de concentração iônico. Para compreender tal ideia, é importante analisar o estabelecimento do equilíbrio em uma célula hipotética com membrana seletivamente permeável.
Então, vamos supor que a concentração de Na+ seja maior do lado de fora da célula hipotética e que exista canais de sódio em sua membrana plasmática. Nesse cenário, os íons de sódio fluirão a favor do gradiente de concentração para dentro da célula, o que tornará o citosol junto à membrana relativamente positivo. Esse novo interior carregado, então, irá repelir os íons Na+, impulsionando-os a sair por meio dos mesmos canais. Por consequência, em uma determinada diferença de potencial, a força elétrica que repele os íons Na+ irá contrabalancear a força de difusão que os conduz para dentro, fazendo com que o equilíbrio iônico seja formado (BEAR et al., 2008a).
Entretanto, por mais que a célula hipotética auxilie na compreensão didática do equilíbrio iônico, ela não reflete inteiramente a realidade. Isso ocorre pois as membranas celulares não são seletivamente permeáveis a somente um íon, mas sim a diversos deles, e cada um possui seu próprio potencial de equilíbrio iônico, que pode ser calculado por meio da equação de Nerst (fórmula matemática que leva em consideração carga, temperatura e razão das concentrações externas e internas do íon em questão) (BEAR et al., 2008a)..
O que deve ser entendido é que para atingir o potencial de repouso da membrana (situação em que não ocorre passagem de íons através dela) será necessário atingir o potencial de equilíbrio dos vários íons, que dependem do quanto a membrana é seletiva a eles. Para medir que potencial é esse costuma-se aplicar a equação de Goldman, que leva em consideração a variabilidade da permeabilidade seletiva da membrana.
Na situação real de uma célula neuronal, sua membrana é permeável tanto ao K+ quanto ao Na+, sendo por volta de 40 vezes mais permeável ao K+ que ao Na+, e seu potencial de membrana equivale a -65mv. Para compreender esse caráter negativo do citosol neuronal, é importante entender, além do equilíbrio iônico, o papel da bomba de sódio e potássio. Isso porque ela é eletrogênica, ou seja, induz a formação de uma corrente elétrica através da membrana, com tendência de criação de potencial elétrico. Bioquimicamente a bomba de Na+ e K+ pertence à família das ATPases do tipo P e opera como um antiporte (transporte simultâneo de duas moléculas diferentes em direção opostas) dirigido por ATP, bombeando ativamente três íons de Na+ para fora da célula e 2 íons de K+ para o interior dela. Por consequência, o citosol se apresenta com caráter negativo em relação ao exterior (ALBERTS et al., 2017).
O potencial de Ação.
O potencial de ação é uma inversão rápida desse cenário relatado anteriormente. Isso significa dizer que, por um momento, o lado citosólico da membrana neuronal se torna carregado positivamente com relação ao lado externo. Tal fenômeno ocorre por meio de uma sequência de eventos fisiológicos (BEAR et al., 2008b).
Primeiramente, acontece a fase ascendente. Essa se inicia com a chegada de diferentes estímulos, como uma dor aguda, que proporcionam a abertura dos canais de sódio enquanto o lado citosólico da membrana está negativo em relação ao lado externo, fazendo com que os íons Na+ se precipitem para dentro da célula através de seus poros. Isso determina a despolarização rápida da membrana. E se essa despolarização, chamada de potencial gerador, alcançar um nível crítico, conhecido como limiar, a membrana gerará um potencial de ação (BEAR et al., 2008b). Os autores salientam que a aplicação de uma despolarização crescente a um neurônio não tem qualquer efeito até que se cruze esse limiar. Por essa razão, diz-se que os potenciais de ação são “tudo-ou-nada”. Assim, conclui-se facilmente que os potenciais de ação são causados pela despolarização da membrana além do limiar.
Após essa despolarização, ocorre a fase descendente. Essa fase pode ser subdividida em duas partes, na primeira os canais de Na+ dependentes de voltagem são espontaneamente inativados. Na segunda parte, os canais de K+ dependentes de voltagem, que se abrem com retardo maior do que os de Na+, começam a permitir uma saída ainda maior dos íons K+, à medida que eles se movem para mais perto de seu estado de equilíbrio, fazendo com que o potencial de membrana volte, agora não tão rapidamente, a ser negativo (BEAR et al., 2008b; KLEIN, 2014).
Por último, ocorre a fase conhecida como hiperpolarização, em que os canais de K+ dependentes de voltagem que estão abertos aumentam ainda mais a permeabilidade ao K+ em relação ao que era quando a membrana estava em repouso. Uma vez que há pouca permeabilidade ao Na+, acontece uma hiperpolarização em relação ao potencial de repouso da membrana até que os canais de K+ dependentes de voltagem completem seu fechamento (BEAR et al., 2008b).
Resumindo, a despolarização da célula durante o potencial de ação é causada pelo influxo de íons sódio através da membrana, e a repolarização é causada pelo efluxo de íons potássio (BEAR et al., 2008b).
O potencial de ação é essencial para a fisiologia dos animais, pois é a partir dele que a informação é distribuída e integrada pelos neurônios no sistema nervoso central. Isso porque o potencial de ação é continuamente regenerado à medida que se propaga como uma onda ao longo do axônio. O influxo drástico de íons Na+, que acompanha a despolarização no potencial de ação da membrana, resulta na difusão passiva dessas cargas positivas em direção ao segmento da membrana adjacente, em repouso. Essa migração na superfície interna, denominada corrente elétrica, despolariza esse segmento próximo até o limiar, desencadeando um ciclo por todo o axônio (KLEIN, 2014). Dessa maneira, um potencial de ação propaga-se a partir do segmento inicial do axônio até a terminação pré-sináptica, na extremidade distal do mesmo, permitindo o fluxo de informações que irá manter a homeostasia animal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. A membrana neuronal em repouso. In: BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008a. Não paginado. cap. 3.
BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. O potencial de ação. In: BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008b. Não paginado. cap. 4.
ALBERTS, et al. Transporte de membrana de pequenas moléculas
e propriedades elétricas das membranas. In: ALBERTS, et al. Biologia molecular
da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. 1464 p. cap 11, p. 597- 640.
KLEIN, B. G. O neurônio. In: KLEIN, B. G. Cunningham:
tratado de fisiologia veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2014. Não paginado. cap. 4.
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