Homeostasia: uma introdução ao tema.

Santos, H.A.X.; Sousa, F.O.; Moraes, I.A.
2019.

 

A homeostasia, também chamada homeostase, pode e deve ser entendida como a tendência à manutenção de uma estabilidade dentro dos tecidos do corpo de um animal (meio interno), diante das naturais hostilidades para as células observadas na maioria dos habitats e também nas mudanças temporárias ou definitivas que podem ocorrer no ambiente em que vive um animal. Essa constância deve ser vista como um equilíbrio, ainda que dinâmico e não estático que acaba por refletir em parâmetros fisiológicos mensuráveis na forma de uma faixa estreita de valores considerados como limites normais e não por valores fixos e precisamente definidos (RANDALL et al., 2011).
As primeiras ideias sobre a necessidade de manter a estabilidade do meio interno (milieu intérieur) foram propostas pelo fisiólogo francês Claude Bernard, ainda no século XIX, que concluiu seus estudos com a frase “a constância do meio interno é a condição para vida livre”. Anos depois, o fisiologista americano Walter Cannon entendendo a ideia de Bernard da estabilidade interna para a organização e a função dentro das células, tecidos e órgãos deu continuidade aos estudos, explicando com mais detalhes as ideias propostas por ele e que não eram passíveis de demonstração à época devido a baixa tecnologia. Coube então ao Cannon em 1929 inventar o termo “homeostasia” para descrever a tendência para a estabilidade interna proposta por Bernard, e pesquisar sobre como os sistemas fisiológicos mantêm a homeostase, inclusive rendendo-lhe um Prêmio Nobel (RANDALL et al., 2000; HILL et al., 2012).  
A evolução da homeostasia e dos sistemas fisiológicos que a mantêm parece ser o fator essencial que permite aos animais se arriscar a deixar ambientes fisiologicamente favoráveis e invadir ambientes mais hostis aos processos vitais. Nestes ambientes os mecanismos fisiológicos que envolvem os vários órgãos são complexos, mas evidentemente eles manterão a homeostasia no nível celular (RANDALL et al., 2011).
Depreende-se que a fisiologia animal deve estar sempre muito bem combinada com o ambiente em que ele ocupa. E para isso três conceitos propostos por Randall et al. (2011) são interessante para a consideração no estudo da homeostase: a adaptação, a aclimatização e a aclimatação. Em qualquer dos processos citados haverá a necessidade de uma tendência ao equilíbrio orgânico (homeostase) para permitir a sobrevivência do animal enquanto não esteja adaptado, aclimatizado ou aclimatado.
Segundo Randall et al. (2011) a adaptação é um processo de evolução por seleção natural que ocorre de forma lenta e requer milhares de gerações sendo geralmente irreversível. A aclimatização refere-se às mudanças fisiológicas, bioquímicas e anatômicas dentro de um determinado animal que resulta de sua exposição crônica às condições ambientais novas e que ocorrem naturalmente no ambiente nativo do animal. Já a aclimatação refere-se a esses mesmos processos de aclimatização, mas com as mudanças sendo induzidas experimentalmente no laboratório ou no campo de um pesquisador, sendo igualmente reversíveis.
Randall et al. (2011) citam dois exemplos interessantes para diferenciar aclimatização e aclimatação. Se um animal é levado para uma região montanhosa onde a Pressão Parcial de Oxigênio (PaO2) é mais baixa, ocorre inicialmente um aumento da frequência respiratória para que o animal possa obter o O2 necessário, mas em poucos dias o animal aumenta a quantidade de hemácias na circulação e volta a diminuir a frequência respiratória, neste caso ocorreu a aclimatização. Se esse mesmo animal tivesse sido submetido a uma câmara hiperbárica (com aumento do CO2 no ambiente) para simular as condições das altas altitudes, as mudanças fisiológicas ocorreriam de igual forma, mas como neste caso foi parte de um experimento, então diz-se que o animal foi aclimatado. Como exemplo de adaptação os autores citaram os gansos de cabeça listrada que são capazes de voar sobre os picos do Monte Everest. Essa espécie de ganso tornou-se adaptada a altitudes elevadas em virtude da seleção natural das espécies.
Para que o animal viva bem e saudável é necessário manter a homeostase, e para isso destacam-se os papéis importantes dos sistemas nervoso e endócrino. Enquanto o sistema nervoso atua no papel do controle, o sistema endócrino atua na sinalização. Em associação, e ainda contando com um sistema circulatório capaz de atingir quase todos os tecidos animais, as informações podem chegar aos diferentes locais e garantir respostas importantes para garantir a regulação e manutenção do equilíbrio orgânico.
Um dos mecanismos de regulação mais conhecidos é a manutenção da osmolaridade plasmática, que pode ser obtida de diversas formas e a depender das espécies animais, entre elas: a sudorese, a excreção de urina e fezes e a ingestão de água. Neste aspecto alguns animais apresentam mecanismos particulares e curiosos para a manutenção da osmolaridade, como por exemplo, as aves marinhas, que, por viverem muito longe do continente, não têm acesso à fonte de água doce e então consomem a água do mar que possui grandes quantidades de sal. Para manter a osmolaridade no seu plama sanguíneo, essas aves apresentam “glândulas excretoras de sal” localizadas proximamente às narinas e aos olhos, que excretam o excesso de sal ingerido pelas aves, e assim mantêm a osmolaridade em níveis fisiológicos.
A integração dos sistemas orgânicos é essencial para a homeostase. Como já informado, o sistema circulatório contribui para a distribuição de nutrientes e a excreção de substâncias oriundas de processos metabólicos que não serão aproveitadas pelo organismo, assim como participa da termorregulação e do sistema imunológico. Um bom exemplo é a regulação dos níveis de dióxido de carbono (CO2) e de oxigênio (O2) garantidos pelos sistemas respiratório e nervoso. Os receptores nervosos são sensíveis aos níveis elevados de CO2 e quando despolarizam induzem o sistema respiratório a aumentar a frequência de movimentos respiratórios com consequente inalação de maior quantidade de O2 e exalação de CO2.
Os órgãos também podem atuar de modo integrado para garantir a homeostase. Neste aspecto o fígado e o pâncreas atuam no controle da produção, consumo e reservas de glicose; as adrenais e os rins atuam no controle da concentração de hidrogênio, sódio, potássio e fosfato e as glândulas endócrinas serão capazes de autorregular (por feedback) e controlar os níveis de hormônios no sangue para que permaneçam dentro de faixas de variação consideradas como normais.
O hipotálamo é uma estrutura nervosa extremamente importante para a homeostase, pois possui várias áreas e núcleos nervosos capazes de receber informações sobre os desvios fisiológicos, para mais ou para menos, que podem ocorrer no organismo dos animais. Ele recebe informações dos receptores centrais e periféricos do organismo do animal, faz a integração de todos estes sinais e torna possível a termorregulação, o equilíbrio de energia e a regulação dos fluidos corporais, e muito mais.
No estudo da homeostasia fica sempre evidente o seu conceito de equilíbrio, estado em que o organismo busca a todo instante permanecer. 
Os vários mecanismos fisiológicos estudados na Fisiologia Veterinária têm por objetivo principal a manutenção da homeostase, e é ela que garante a vida animal.

 

 

Referências Bibliográficas:
HILL, R. W.; WYSE, G. A.; ANDERSON, M. Animais e ambientes: funções no âmbito ecológico. In: HILL, R. W.; WYSE, G. A.; ANDERSON, M. Fisiologia Animal. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2012. 920 p. cap. 1, p. 3-28.
RANDALL, D.; BURGGREN, W.; FRENCH, K. Estudando fisiologia animal. In: RANDALL, D.; BURGGREN, W.; FRENCH, K. Eckert – Fisiologia Animal: mecanismos e adaptações. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. 764 p. cap. 1, p. 3-13.

 

 

 

 

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